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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Todos os Minutos contam ...



Às vezes, quando me encontro com velhos amigos, lembro-me da rapidez com que o tempo passa.

E isso faz-me pensar se temos utilizado o nosso tempo de forma adequada ou não.

A utilização adequada do tempo é tão importante.

Enquanto tivermos este corpo e especialmente este cérebro humano incrível, eu acho que cada minuto é algo precioso.

O nosso dia-a-dia é muito vivido à base de esperança, embora não exista a garantia do nosso futuro.

Não há garantia de que amanhã a esta hora estejamos aqui.

Mas estamos sempre na expectativa de que isso aconteça, puramente na base da esperança.

Por isso, precisamos de fazer o melhor uso possível do nosso tempo.

Acredito que a utilização adequada do tempo é a seguinte:

se você puder, esteja disponível para as outras pessoas, ou para outros seres sensíveis.

Se não, pelo menos, abster-se de os prejudicar.

Eu acho que esta é toda a base da minha filosofia.

Concluindo, precisamos de refletir no que é realmente de valor na vida, o que dá sentido às nossas vidas, e definir as nossas prioridades com base nisso.

O propósito da nossa vida precisa de ser positivo.

Nós não nascemos com o propósito de causar problemas, prejudicando outros.

Para que a nossa vida seja de valor, acho que devemos desenvolver boas qualidades humanas básicas - o calor, a bondade, a compaixão.

Então, a nossa vida torna-se significativa , mais pacífica, e mais feliz.


Tenzin Gyatso / Dalai Lama, in 'The Art of Happiness'


Jetsun Jamphel Ngawang Lobsang Yeshe Tenzin Gyatso é atual Dalai Lama, líder religioso do budismo tibetano.


terça-feira, 29 de setembro de 2015

Pois ...




As três linguagens do concreto:

A linguagem da cabeça,a linguagem do coração e a linguagem das mãos.

Tem que haver harmonia entre as três,

de tal maneira que você

pense o que sente e o que faz,
sinta o que pensa e o que faz,
e faça o que sente e o que pensa.


Isto é o concreto.


Ficar somente no virtual é como viver numa cabeça sem corpo.



Papa Francisco


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

A Caminhada ...





Caminha-se por um trilho que acompanha as searas que secam ao calor abrasivo do sol , que teima em afirmar a pequenez dos homens, mas parece que eles não entendem essa linguagem que emana de dentro, do chão e dos céus, nem da seiva que brota de todas as árvores …

Mas na mesma caminha-se sem parar, faço minhas as páginas que a areia desenha aos meus pés , e guardo aureolas imperceptíveis de desígnios que resgato a cada viagem do meu pensamento .

Na outra margem do rio em que o tempo flui sem parar, observa-se a beleza miraculosa de uma mãe passeando com o seu filho pela mão, neste registo o sorriso abre-se num feixe longitudinal de satisfação, que alimenta a amplitude da minha respiração, e deixo-me levar movido por este instante de conforto e emoção .

Guardo caixinhas com fragmentos de pequenos instantes sabendo que eles são efémeros, mas reveladores convincentes de percursos que substituem as escarpas de tantas interrogações .

Na frequência e na intensidade , também na luminosidade que vai incidindo sobre o palco onde desfilam os tecelões do pensamento , esbate-se a neblina proveniente da escuridão da noite , e assim emergem raios de sol , descobre-se lá longe a timidez pálida da lua, e eclipsam-se os pontos cintilantes das estrelas .

Depois de várias horas , onde os olhos percorreram sinais de vastidão , regaços esculpidos no chão e moldados pelo vento , chegam as dores do cansaço , sento-me na orla da planície onde se estendem ecos de perguntas mordazes ausentes de respostas .

… resta-me a contemplação do espaço sem fim que me dá uma noção do que é ser intemporal ou infinito, e desenham-se assim ténues linhas que se esfumam na penumbra do horizonte …


Luis de Sousa




domingo, 27 de setembro de 2015

Para Ti ...




Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida


Mia Couto, in "Raiz de Orvalho



sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Mas temos , Mãe !




" Tenho pena dos homens que não têm asas para voar por cima das coisas más "

Mas temos, Mãe , temos a Escrita , a Pintura,
tudo o que presta tributo à beleza imanente do Mundo ...

São as nossas asas,
o que nos permite voar sobre os males do Mundo .
Voar sobre as " imperfeições do Mundo",
enfrentar o " terror de te Amar num sítio tão frágil como o Mundo ",
não ter medo de " atravessar contigo o deserto do Mundo " .



Miguel Sousa Tavares in " Não se encontra o que se procura "



quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Procuro-Te ...




Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.


Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"




quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Identidade Própria ...




Construir uma Personalidade

Nem todos estão predestinados a terem a oportunidade de criar a sua própria personalidade, a maioria permanece numa cópia de um tipo de personalidade, sem nunca chegarem à experiência de se tornarem um indivíduo com identidade própria. Mas aqueles que o conseguem, inevitavelmente descobrem que a luta pela personalidade envolve o conflito com as vidas normais das pessoas comuns e os valores tradicionais e convenções burguesas que defendem. A personalidade é o produto do confronto entre duas forças opostas, o impulso de criar uma vida própria, e a insistência do mundo que nos rodeia em que nos conformemos a ele. Ninguém consegue desenvolver uma personalidade a menos que esteja mentalizado para passar por experiências revolucionárias. A extensão dessas experiências difere, claro, de pessoa para pessoa, assim como a capacidade de conduzirem uma vida que é verdadeiramente pessoal e única.


Hermann Hesse, in 'Demian'




terça-feira, 22 de setembro de 2015

Escuta, Amor ...




Escuta, Amor

Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.

Por isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.

Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o teu rosto, fotografados imperfeitamente, são moldados pelas noites metafóricas e pelas manhãs metafóricas. Talvez outras pessoas chamem entendimento a essa certeza, mas eu e tu não sabemos se existem outras pessoas no mundo. Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos. Agora, somos uma única rocha, uma única montanha, somos uma gota que cai eternamente do céu, somos um fruto, somos uma casa, um mundo completo. Existem guerras dentro do nosso corpo, existem séculos e dinastias, existe toda uma história que pode ser contada sob múltiplas perspectivas, analisada e narrada em volumes de bibliotecas infinitas. Existem expedições arqueológicas dentro do nosso corpo, procuram e encontram restos de civilizações antigas, pirâmides de faraós, cidades inteiras cobertas pela lava de vulcões extintos. Existem aviões que levantam voo e aterram nos aeroportos interiores do nosso corpo, populações que emigram, êxodos de multidões famintas. E existem momentos despercebidos, uma criança que nasce, um velho que morre. Dentro de nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as partes.

Questiono os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo.

Escuta,
ouve.
Amor.
Amor.



José Luís Peixoto, in 'Abraço'







segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Febril Loucura ...




Aproximei-me de ti

Rocei o meu rosto no teu cabelo macio
Inalei esse aroma perfumado
Desse teu corpo inflamado

Momento único
Suspiraste ao vivê-lo

Os teus olhos observei
Segredos da tua boca escutei
Todos esses desejos abracei

Beijei-te
Senti o aveludado da tua pele
Tuas orelhas levemente mordisquei

Nessa tua boca carnuda
Mergulhei
Nesses teus lábios vagueei
Nesse teu corpo de mulher
Simplesmente viajei

Ao meu ouvido te chegaste
Na rouquidão da tua voz
Baixinho
Inconfessáveis desejos suplicaste

O mel dos teus seios
Saboreei
Teus mamilos
Ferverosamente suguei

Na doçura
Na mais completa e pura
Nessa imensa febril loucura
Tu me pediste

E eu desci
Desci
E desci

E desmesuradamente
Em todos os teus íntimos recantos


Eu Loucamente


Me perdi …




Luis de Sousa







Confidências ...




Em Portugal Há um Julgamento Estranho da Modéstia.



Batem-se palmas a quem basicamente diz que não é muito bom a fazer o que faz.

E quando alguém diz que tem confiança no que faz, utiliza-se uma palavra pejorativa: Arrogante !

Eu claramente tenho confiança no que faço, e nesse aspecto não sou modesto.

Agora, precisamente porque tenho essa confiança não me passa pela cabeça falar mal de alguém.

Não por eu ser um coração maravilhoso, mas porque seria perder tempo precioso para aquilo que tenho de fazer.



Gonçalo M. Tavares, in "MilFolhas (Público)"




domingo, 20 de setembro de 2015

Para além do imediato ....




Nada é eterno nem adquirido, tudo é fugaz e passageiro.

A ilusão,seja a de felicidade ou a de tristeza,é acreditar num horizonte fechado,
ao alcance da vista, que ignora ou finge ignorar os horizontes sucessivos que estão para além do imediato.


― Miguel Sousa Tavares, Não Te Deixarei Morrer, David Crockett





sábado, 19 de setembro de 2015

Em que dia nasceste ?




E quando nos beijávamos......

E eu perdia a respiração e, entre suspiros, perguntava:

Em que dia nasceste?

E respondias-me com a voz tremula:


Estou nascendo agora...



Mia Couto

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Será mais acolhedora ...




Partilhei em baixo dois textos de dois Escritores , dois textos especiais na sua retórica e na sua dimensão e profundidade intencional .

Resgatando o conceito e as palavras de vários Pensadores actuais e contemporâneos , o universo das comunicações, não poderá ser nunca somente um lugar onde na sua grande parte expressiva e criativa seja o que é .

Talvez deva ser também um espaço de luminosidade onde a estrada de quem a percorre , se vai encontrando com os textos , as citações e as Palavras, de Pensadores , Escritores , Sábios decifradores dos códigos desses trilhos que constroem a pauta musical da Vida , e que neste aproveitamento nos possam elevar a patamares superiores da nossa Existência criando rumos e níveis de Crescimento e de conceção de interpretação do mundo , com olhos mais profundos , digamos num modo garimpeiro das substancias e dos sedimentos que nos envolvem em cada momento subjetivo e relativo da nossa individual realidade .

Podemos encontrar nestes Pensadores , Escritores , Gente que Pensa e Reflecte a inconsistência e a consistência humana , estes Seres que desenvolvem o Pensamento e que nos encaminham e nos movem no sentido de uma aproximação e de uma Existência cada vez mais baseada na criação, na reflexão , abrindo as portas de um lugar de difícil acesso e de permanência , mas de autenticidade e de valores que orbitam acima do comum e do vago superficial .

Quando o Escritor Pedro Chagas Freitas define o “Abraço “ no seu conteúdo “ Eu Sou Deus “ , ele refere-se ao Deus que habita em todos nós , nessa luz Divina que em todos nós permanece , transformando-nos em Deuses da nossa Existência pessoal … nunca numa perspetiva de pedantismo ou de endeusamento que pode ser interpretado pelos menos atentos ou pobres de espírito .
Assim , o Abraço foi absolutamente e poderosamente decifrado e definido de uma forma soberba e plena de inspiração e de afeto .

Mia Couto , no seu texto fabuloso “ Carta “ , apresenta de uma forma magistral a revolta de um homem com ideais e sonhador , que se afirma perante as maldades e as castrações que nos querem impor .


A estrada será sempre mais enriquecida e se tornará mais acolhedora , se estas Mentes Brilhantes e indutoras de Reflexão e Cultura, estiverem presentes no nosso quotidiano e no nosso horizonte particular , e assim nos ajudarem a ampliar cada vez mais a nossa Consciência individual.


Luis Sousa



terça-feira, 15 de setembro de 2015

Braços que se fundem ...




O Abraço

O abraço. O abraço que parece estar a acabar. O abraço raro, o abraço verdadeiro. Da mãe que recebe o filho, da mulher que recebe o marido, do amigo que recebe o amigo. O abraço que não se pensa, que não se imagina. O abraço que não é; o abraço que tem de ser. O abraço que serve para viver. O abraço que acontece – e que não se esquece. Um dia hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. A visitar as escolas e a explicar que abraçar não é dois corpos unidos e apertados pelos braços. Abraçar é dois instantes que se fundem por dentro do que une dois corpos. Abraçar é um orgasmo de vida, um clímax de partilha – uma orgia de gente. Abraçar é fechar os olhos e abrir a alma, apertar os músculos e libertar o sonho. Abraçar é fazer de conta que se é herói – e sê-lo mesmo. Porque nada é mais heróico do que um abraço que se deixa ser. Porque nada é mais heróico do que ter a coragem de abraçar, em frente do mundo, em frente da dor, em frente do fim, em frente da derrota. Abraçar é a vitória do homem sobre o homem, da pessoa sobre a pessoa. Abraçar é celebrar a humanidade. Abraçar vale mais do que amar. Abraçar é o amor que se ultrapassa. O amor que se transmuta. O amor que se apaixona por se ser amor. Abraçar é mais do que o amor, mais do que a paixão, mais do que o tesão, a excitação ou a pulsão. Abraçar é para além do que abraça, para além do que é abraçado, para além do que sente ou que é sentido. Abraçar não se sente nem se sente muito. Abraçar é. E pode ser tudo aquilo que não é – mas que não deixa de ser. Pode ser o abraço que é “vem, ama-me”, pode ser o abraço que é “adoro-te, meu filho”, pode ser o abraço que é “obrigado por estares aí, meu amigo”. O abraço pode ser todos os abraços do mundo. E cada abraço é todos os abraços do mundo. E cada abraço é todos os mundos num abraço, em dois pares de braços que se tocam, que se fundem, que se encontram e que se elevam. Para lá do que sentem, para lá do que entendem. Um abraço verdadeiro é mentira, alucinação – e não é isso que o inibe de ser a mais verosímil das verdades, a mais palpável das realidades. Um dia, hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. Nas escolas, nas estradas, nos becos de urina e de lágrimas. O abraço. A unir o menino traquina e o menino traquinado, a criança que humilha e o desgraçado humilhado. O abraço. A unir. A prostituta que se rende e o gestor que se vende. O empregado que resiste e o cabrão que insiste. Todos. Num abraço. O abraço resolveria todos os problemas do mundo. E no entanto não deixaria de não resolver problema algum. E é sempre assim, no mundo, na vida, no sonho, na dor. É sempre assim e nunca deixará de ser assim: é aquilo que nada resolve que tem de resolver tudo o que há para resolver. Não tem nada que saber apesar de ninguém o saber: é aquilo que não serve para nada que serve para tudo.


Pedro Chagas Freitas, in 'Eu Sou Deus'


segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Simplesmente olhar de frente ...




Carta

(digo dos que se ditam:
a minha defesa
são os vossos punhais)

Quando me disseram «não se vem à vida para sonhar» passei a odiar-vos. Para vos matar escolhi materiais inacessíveis ao meu ódio. Em mim fizestes despertar a irreparável urgência de ferir.

Descobri a vossa intenção: decepar as minhas raízes mais profundas, obrigar-me à cerimónia das palavras mortas. Preferi reiniciar-me: na solidão me apaguei. Estava só para me encher de gente, para me povoar de ternura. Eu queria simplesmente olhar de frente a verdade das pequenas coisas: esta água vem de onde, quem teceu este linho, que mãos fizeram este pão?

Desloquei-me para tudo ver de um outro lado: levei o meu olhar, o desejo de um princípio infinitamente retomado. Ganhei sonoridade nas vozes que me habitavam silenciosamente. Entre mar e terra eu preferia ser espuma, ter raiz e poente entre oceano e continente.

O tempo, por vezes, morria de o não semear. Terras que golpeava com ternura eram feridas que em mim se abriam para me curar. Eram terras suspeitas, acusadas de futuro. Outras vezes eram mãos de um corpo que ainda me não nascera. Surgiam da obscuridade para afastar a água e nela me deixar tombar. Tecido que escapava da mais bela das lavadeiras eu ia pelo rio, a corrente insuflando-me e eu deixando-me arrastar com fingida contrariedade.



Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'



domingo, 13 de setembro de 2015

As Preciosas ...





Quero e quererei sempre mais da Vida , não me escondo nem me esconderei nunca de tudo o que quero , do que é Bom , do que é Belo ,do que é Verdadeiramente Inspirador, Motivador , Verdadeiro e Catalisador dos meus Pensamentos e dos meus Sentidos , dos elementos etéreos da minha Alma e de todos os Significados que Encontro no firmamento do meu Olhar …

Distancio-me cada vez mais da mesquinhez , da hipocrisia , do ciúme nefasto , da falsidade , da pobreza de espírito, e de qualquer outra insipiência humana que invariavelmente vou encontrando …

Por isso afasto-me ao mínimo sinal , pois tudo isso me faz mal, como idealista de Pensamento e de formação ao longo destas décadas , tudo isso infelizmente , ainda me vai causando alguma frustração e alguma revolta.( pelos vistos,o meu Caminho de Aprendizagem será longo nesta materia )

Mas pela milionésima vez sei que não há volta a dar , a realidade é esta , e no registo do segmento desta realidade vazia e oca de que falo , a carência de satisfação dos demais Egos fala sempre mais alto, os conceitos atraiçoam-se no instante seguinte à sua nascença , os Valores Verdadeiros são meros resquícios de um Tempo estropiado pela carência , e pela necessidade ( mesmo que efémera) de satisfação no imediato que anestesia a verdade intrínseca de cada subjetiva realidade, e assim inevitavelmente, as opções fecham-se,e eu nesta neblusidade envolvente questiono-me sem respostas ... restam-me os muros,as cercas e as vedações que circundam estas pequenas terras do meu Mundo , espaços Meus, partilhado com os Meus , onde quero que a minha Existência Aconteça e permaneça de forma mais igual possível a mim mesmo, mais Verdadeira e mais Simples …

Peneiro as “Pedras” , e só restarão ( se restarem ?! ), as luminosas,as preciosas , aquelas que independentemente do seu Lugar no Tempo e no Espaço ,tenham na sua essência uma Aura mais Genuína e mais Verdadeira …



Luis Sousa



sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Incontornável ...




Uma sociedade inteira vive mergulhada num mundo de facilidades e aparências, afogada em sms, mails, blogues e redes sociais, onde procura criar uma estranha forma de vida e de relacionamento humano, que garante o contacto e o sucesso imediato e dispensa o incómodo que é enfrentar a vida real, sem ser a coberto do anonimato ou do disfarce hipócrita, e sem ter de assumir as consequências dos seus actos nem o vazio de passar por aqui sem ter feito nada de útil para os outros.



Jornal Expresso / Em 2009.04.18
Miguel Sousa Tavares


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Horizontes ...




Entre nós e o destino , existe um bilião, trezentas mil virgulas, pontos de exclamação, pontos de interrogação que se desmultiplicam, e um horizonte de linhas contínuas que subsistem e de forma cadenciada se substituem , criando assim uma infinidade de prismas , ângulos , cores e geometrias anunciando possibilidades …

Entre nós, pessoas, mundo e realidade , a distância que parece prevalecer, é aquela que repousa no substrato da equação resultante da ponte entre a realidade que se vai desvanecendo do ontem e a realidade que emerge e se afirma no presente , essa mesmo que se impõe em cada momento … e os contornos resistentes que desenharam os Lugares, as Escarpas , as Planícies , os Bastiões e as Paisagens da nossa Verdade.

Esse substrato, é também o sangue e a seiva descendente que veio a montante, é a areia, a terra molhada com cheiro a barro , o rebento seco transformado em palha, a poeira remanescente das mutações , os pigmentos aleatórios , que misturados com a água do rio , do mar e da chuva , formam a argamassa da nossa génese, que assim absorveu ínfimas partículas, moléculas , átomos que resultam em sinapses e conceções químicas emergentes em cada uma das nossas perceções .

Nesta conclusão generalizada, em que o pensamento se deixa resvalar para uma metamorfose intimista, só me resta continuar a Agradecer a imensa fortuna de tantas coisas impagáveis e impalpáveis com que tenho sido Agraciado pelos Deuses que me querem Bem, e fazer tudo para que em cada ponto de miragem da minha momentânea paisagem , continue sempre a procurar encontrar os Caminhos visíveis , subtis e invisíveis, que construam e propaguem o rastilho da simples Felicidade …



Luis Sousa



quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Luz e Sombra ...




Uma porta entre aberta, a claridade que desperta e a sombra da contraluz que repousa inerte na madeira do soalho …

Observo esta imagem e vem-me ao pensamento como tudo se interliga na experimentação e nas particularidades das nossas vidas, onde as sombras e as luzes dançam de mãos dadas ao som dos improvisos , em notas de piano difusas e cristalinas, que nos vão transportando pelas curvas , sinuosidades , declives e ascendências deste rio em que navegamos …

Luz e sombra, contrastes e tonalidades que intimamente no labirinto dos nossos pensamentos e das nossas interpretações perante este mundo em que vivemos, podemos atribuir relevâncias e significados, guardando uma multiplicidade de imagens e momentos … mas que por vezes, na nossa própria alienação e triste ausência alimentada pela maciça superficialidade que nos cerca, simplesmente ignoramos e nada vemos …

Mas elas, as luzes e as sombras, permanecem e estão sempre presentes, talvez para se afirmarem aos nossos olhos e à nossa Consciência , e nos fazerem ver que elas de facto existem, independentemente de tudo, dos contextos, das fatalidades , das circunstancias e das texturas que envolvam as vias dos nossos caminhos …

Por detrás de uma sombra, existirá sempre uma Luz a que se seguirá uma outra sombra, e no decorrer dos vários roteiros haverá sempre fragmentos de Luzes que emergem de cada sombra, fragmentos onde as tonalidades se revezam ciclicamente … mas que no final de cada capítulo, e após o peneirar dos eventos,as sombras perdem tonalidades, só restando estrelas e preciosidades luminosas de Saber, Compreensão, visão e Conhecimento …

A aceitação, o respeito e o reconhecimento desta existência permanente, beneficia e fornece um aporte de extraordinária importância para quem introspetivamente se consciencializa, se apazigua, e se relaciona assertivamente com as suas Luzes e com as suas sombras …


Luis Sousa