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quinta-feira, 28 de janeiro de 2016



(…) Corríamos e saltávamos por cima do capim, olhávamos para o horizonte, e ele era uma linha lá longe feita de cores, tonalidades e brilhos.
Éramos pássaros de asas leves e livres, preenchidos de uma substância cujo nome não sabíamos definir, mais tarde soubemos, chamava-se magia, ela era tanta, tão intensa e transbordante, tanto quanto a gente corria.
Conhecemos o azul mais azul de todos os céus, o avermelhado mais extasiante de que qualquer outro sol poente, as areias brancas e finas peneiradas pelo vento, e aquele cheiro intenso, a iodo do mar, que invadia de sabor o nosso respirar, e isso, despertou em nós o início de uma viagem, uma viagem silenciosa que nos agarra e se prolonga pelo tempo, povoando os poros mais recônditos da nossa alma, concedendo uma única certeza, a de amar verdadeiramente, aquele único lugar.


Luis de Sousa in excerto de “ Mil e uma estradas “

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Os Famintos ( excerto)



(...) Para haver vida, é necessário digerir a água e lavar os olhos,
vibrar as cordas de todos os sentidos, dar aso à cascata, que é só o tropeço, o passo esquecido desse rio profundo das emoções.
Desejar e sentir, que tudo isso aconteça, até que dentro do nosso corpo, anoiteça.
Talvez sejamos só invólucros, peças cambiantes feitas de tecidos orgânicos,
transportando ferramentas, que são pensamentos, sonhos, vontades erguidas, asas caídas e desilusões.
Tudo isto é mergulho, entulho e convulsão em cada estágio, seguido de continuidade, que se torna planície, depois a escada, de uma outra etapa.
Mas continuamos, apesar dos sorrisos, dos acenos, dos gestos cativos, por vezes até felizes viajando no dorso de uma ave, outras, caminhamos imbuídos de uma coisa intratável, inexplicável, talvez perdidos, tremendamente sozinhos e solitários.

Luis de Sousa in excerto de “ Os Famintos “

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Excerto de " Os Famintos "




Mariano Donato estava cansado, segurou carinhosamente os braços de Lucília, e mergulhando naqueles grandes olhos amendoados, castanhos, cor de avelã, disse-lhe;

- O mundo está cada vez mais líquido e efémero, e este não é o meu mundo.
Eu quero outras coisas, quero deixar-me ficar com esta chuva sem tréguas e este remoinho de vento que nos faz mais vivos, quero guardar para sempre a infinita maciez da tua pele, reencontrar-me na profundidade e no cheiro do teu corpo, sentir o êxtase de todos os teus prazeres, guardar-te nos meus contrastes, nos pigmentos que emolduram o teto côncavo da minha vida, e onde eu estiver, num lugar qualquer, serás sempre o meu gesto, a razão da minha sobrevivência, e a miragem indescritível, que os meus olhos inventam.

Lucília escutou, sorriu, e chorou.

***
Luis de Sousa - excerto de “ Os Famintos “


domingo, 17 de janeiro de 2016

ESTÁ EM QUALQUER LUGAR




O que procuro,
Não está nesta pressa, nesta velocidade
Não tem a ver, com deixar de ser jovem
Ou ter mais idade
Não está neste padrão, nesta imposição
Nesta constante aceleração
Ou na vertigem da cidade

O que procuro, está no vagar
No tempo a soletrar
No sentido verdadeiro de estar
Nos sinais da espiritualidade
Nos sentimentos que se instalam
Na pausa, onde espraio o meu olhar

O que procuro, está em qualquer lugar
Num pensamento que se acende
No diálogo que me seduz
Na palavra fecunda
Numa frase profunda
Naquele saber que traduz
O verdadeiro feitiço mágico da luz


Luis de Sousa in “ Está em qualquer lugar “
Em “ Poemas Rasgados “


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Ser, outra vez




SER, OUTRA VEZ


Tantas vezes
Queria voltar a ser criança
Perder esta adulta ignorância
Queria voltar a ter
Aquele olhar, aquela forma de estar
Onde não há memória
De qualquer dura lembrança

Queria sentir a leveza
Voar na fantasia
Abrir asas, ser albatroz
Planar, na onda térmica da melodia
Ser mágico brilhante
Nos eventos da minha magia

Sentir o sorriso quente
Inventar reinos, desvendar mundos
Em qualquer chama reluzente
Ser puro, ser novamente inocente
Regressar ao olhar limpo
Chegar ao outro lado do mundo
Abraçado, ao sol poente

Pois, é assim tantas vezes
Este desejo, de voltar a ser criança
Brincar com a terra
Encher-me de areia
Sentir-me livre
Estar longe, de qualquer teia
Abrir o coração
Acariciar a vida
Desbravar o chão, como quem semeia


Luis de Sousa in “ Ser, outra vez “
Em “ Poemas Rasgados “


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016



“Depois de tantas noites, tantas madrugadas gastas e vividas, de tantas tertúlias incandescentes e conseguidas, ele continuava imerso nas suas divagações mal geridas, mas, o que ele mais se encantou, e o que ele aceitou e se entregou, não foi a sedução da carne ou o apelo do sexo, foi aquela poesia de estar e de viver, aquela forma sublime única e perfumada, que forja o papel que embrulha o sentido da vida, que naquela mulher povoada de loucura, ele encontrou. “

Luis de Sousa in excerto de “ O regresso “
Em “ vozes que vêm de dentro “

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Nos fragmentos dos dias




Nos fragmentos dos dias, em que se repetem um pouco por todo o lado, ressonâncias de ruídos e sinais de várias ausências, compreende-se cada vez mais, a imperativa necessidade do encontro connosco mesmo. Não por uma questão de distanciamento do mundo ou dos outros, mas na demanda e na busca desse lugar interior, o nosso centro, aquele espaço único dentro de cada um de nós, onde com o vagar do tempo e a sabedoria da persistência, se tecem os fios da serenidade, pois só assim, é possível alicerçar o sentido do essencial, e empreender uma relação mais serena com todas as coisas.


Luis de Sousa in “ Imerso na bruma “

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Ecos do Tempo




Desloco-me
Na asa dos pensamentos
Alcançam-me
Poderosos ventos
Íngremes
São estes momentos

Quebro-me
Nos ecos do tempo
Rasgo-me
No fustigar do vento
Assim resisto
Como vinha que perdura
Em terras de xisto

No abraço eternizado
Explodes-me o peito
O beijo vertiginoso
Em alucinado efeito

Lembras-me, a vastidão
A planície e a montanha
A água, o mar e o rio
O fogo deslizante
A alquimia, em total combustão



Luis de Sousa in “ Ecos do Tempo”
Em “ Poemas Rasgados “


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Todos os Anos




Todos os anos a mesma coisa, os mesmos rituais em manifestações de alegria,
o mesmo recitar de desejos para um novo ano neste lado privilegiado do mundo, onde existem luzes e sinais de imensa fartura, fogos de artifício de estonteante beleza, numa noite em que todos nós ao sabor da vertigem adocicada de vinhos e champanhes, cometemos os nossos pequenos ou grandes excessos, sintomas de prazer, talvez desejos de fuga, emoções escondidas ou vontades de simplesmente esquecer.

Nestes ciclos em que termina um ano, dando início a um outro, sou sempre invadido por múltiplos sentimentos que entre si se digladiam.

Se por um lado, coloco a esperança como semente para a fertilização de coisas melhores, por outro, é um sentimento claro de que o tempo na sua magnitude omnipresente não para, reduzindo o nosso tempo como caminhantes terrenos, reduzindo o tempo dos que mais amamos, subtraindo assim os dias em que com eles partilharemos todas as magias da vida.

Nesta conjunção de realidades, todas as passagens de ano são assim para mim, um misto de maior tomada de Consciência de tudo, entre a Esperança do que é a renovação traduzida em novos ciclos de vida, e a noção clara ditada pelo tempo, de tudo o que vamos perdendo.



Luis de Sousa em “ Reflexões “